EM SÃO MIGUEL O ANJO

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

MONTANTE DA MAIA



Há muito que se perdeu do ouvido e do tempo, aquele tilintar persistente ou aquelas vozes de alerta: - “fooogoo, já arde! Foogo, fogo, já arde! Minutos depois, o estrondo, o rebentamento da penedia seguido por vezes, de uma chuva de pequenas pedras a cair do céu por entre giestas, pinheiros e eucaliptos.
Era a vida dos montantes pedreiros que extraíam a pulso e a dinamite a pedra dos montes, das Como o meu progenitor conhecido naquelas terras da Maia por Luís Pisco, haviam centenas de montantes espalhados pelas muitas pedreiras da freguesia e Vila de Águas Santas: Milheiros, Monte Penedo, Caverneira, Boi Morto e de outras tantas das freguesias do concelho.
Uma vida rude que exigia resistência, força e até brutalidade dos homens que a pulso, ferro e fogo, desbravavam montes de granito sem a existência de máquinas, que ainda as não havia.
Também na “razão destes versos” não poderia deixar de contemplar a bravura e o engenho daqueles que faziam da pedra o que queriam com meios tão artesanais. Conheciam todas as características e os veios e pontos fracos da pedra no seu estado natural como as suas calejadas e gretadas mãos, de pulsos papudos por forças provocadas por excesos de luta e de resistência humana.
MONTANTE
A derrubar montanhas,
Montante de profissão,
De xisto ou de granito,
Rasgadas por sua mão.

Já o dia se levanta,
Se levanta a força, o grito:
Canta o pisco, chasco canta,
Canta o picão no granito.

Montante que lá no monte,
Tua força não conheces;
Sai de tuas mãos a pedra,
P’ra palácios. Desconheces?

É feito um furo no bolo,
Com a broca à pulsação,
Num compasso cantador,
Que dá força ao marretão.

É metida a dinamite,
Nas entranhas da montanha;
Mãos robustas, cuidadosas,
Não se percam na façanha.

Já o tiro rebentou!
Cuidado, não saltem guilhos.
Não vá a pedra que voou,
Deixar sem pai os teus filhos.
José Faria

PUTOS EM PELOTE


Pé descalço na calçada,
Por carreiros e caminhos
Tão mexida ganapada
Na brincadeira e aos ninhos.

E no roubar das espigas
Com o lavrador ausente
Acomodavam barrigas
A dar letra à fome, ao dente.

Se o tempo quente apertava
Vinha o banho a qualquer hora
E a alegria chafurdava
Da ganapada de outrora.

Numa represa de rega,
Em pelote a pardalada;
Na água e lodo se esfrega,
No mergulho e na braçada.

Distraídos no banheiro ,
Já se estava a aproximar,
O lavrador sorrateiro
A roupa lhes foi tirar.

Pegou nela num braçado
Feita trouxa, foi-se embora,
E logo os putos à nora...
Olham num e noutro lado.

Por entre o milho andou
O bando a procurar,
Mas a roupa não achou,
Já com alguns a chorar.

O lavrador avistaram,
Com a roupa, campos fora.
E todos se interrogaram:
Como é que vamos embora?

Outra forma não acharam:
Deitaram pés ao carreiro,
Com as mãozitas taparam,
A pilita e o traseiro.

Lá foram nus, sempre a andar,
E a meio da caminhada,
Tantos mirones a olhar
Juventude envergonhada.

Quase pedindo esmolinha
Ao lavrador a apelar,
Que lhes desse a roupinha
Que não iam mais nadar;

Na represa que é de rega
Perigosa, contaminada.
E o Agostinho lá entrega
A roupa à ganapada.
José Faria
(A foto representa o que foi a casa do benemérito Ausgusto Simões, posteriormente entregue e gerida pelo lavrador, caseiro da Cãmara da Maia, Sr. Agostinho.
Depois de restaurada transformou-se na Sede da Junta de Freguesia de Pedrouços.  - E foi aqui que os miúdos, todos nus, chegaram a pedir ao caseiro que lhes desse a roupita).
Minhas memórias de menino da rua.

RECORDAÇÕES

 Era puto como tantos,
Na rua soltos à toa,
Sem que a fome visse a broa,
Perdidos nos seus encantos.

Conhecer todos os campos,
De fruta verde mas boa:
Mas se o grito, o alerta soa,
Correm todos como bandos.

Tudo era devorado,
Fruta, cebolas, cenouras
E o grépio do caminho.

Quase sempre escorraçado,
Todo o filho de mãe moura,
Que não era rapazinho.

Colégio, ama, infantário,
Eram coisa para meninos:
Putos da rua sozinhos,
Cresciam noutro fadário.

De quantos bandos fiz parte,
Nessa infância ignorada.
Por nunca ser ajudada,
Sobreviver era uma arte.

Inventavam-se guerreiros,
E outra tanta fantasia:
Cobóys, índios, valentia!
Cavalos e cavaleiros

O jogo da sameirinha,
Com os putos num magote;
E havia sempre um pichote
Que fazia batoteira.

Era o jogo do peão,
Do crivo e da pedrinha
E outro, da caçadinha,
Bate fica e ao ladrão.

E a volta a Portugal,
Com laranjinhas e bugalhos,
Com pontes, túneis e atalhos.

E outras tantas diversões,
Inventavam putos bons,
Vida feita de frangalhos.


E foi o rio Leça banheira,
Dos putos da minha idade;
Mergulho da mocidade,
No perigo da brincadeira.

O jogo da bola em água,
No rio que sem parar,
Foi um dia lá ficar,
Um de nós que deixou mágoa.

A perda de um companheiro,
Não se esquece em qualquer tempo,
A dor mancha o sofrimento!

Era assim numa outra era,
Impávidos putos de outrora:
Com saudade e com lamento

Arredores dos grandes centros
Dormitórios do trabalho
Isentos de agasalho
Social, contra os ventos.

Não eram as voltas do tempo,
Nem o uivar das noites frias
Que roubavam alegrias:
Mas fome, dor e sofrimento.

Quantos filhos do país
Botões da mesma raiz
Vegetaram na existência?

Quantas almas de petiz
De irreal vida infeliz
Foram vítimas da inocência?


Este tempo já roubou
A esse tempo a lembrança,
Nosso tempo de criança
Por onde a fome passou.

Nessa era já não estou
Recordo-a por segurança.
Seja sempre só lembrança
Jamais digam que voltou.

E da luta sem sarilhos
Do esforço p’ra viver,
A culpa vive sem merecer.


Pois a vida não tem culpa
Pelo homem avessada
Nesse tempo esfarrapada.

José Faria

A MINHA CIDADE



Foi já cidade! – Disseram assim dela.
Religiosa sempre a sua gente,
Edificaram certo dia uma capela,
Guardando lá o Omnipotente.
Uma Via-sacra, logo, posteriormente;
Espalharam por uma, outra ruela;
Servindo povo com amor e fielmente,
Indicando o caminho à terra crente:
Antepassado nosso povo de outra era!

De Petrauzos e Pedrouzos fala a história,
Enquanto o tempo não perder memória!

Passaram anos, séculos, até lembrança!
E os filhos continuam sempre novos.
De geração em geração nova esperança:
Renovando a lei da vida e a dos povos.
Ouvimos hoje um novo pensamento,
Um mais saber da vida bem diferente,
Contudo conta mais a história, o tempo;
Obrigando-nos a assumir, pois é urgente,
Servindo mais, com mais discernimento.
José Faria

OBRIGAÇÃO


Pedrouços é o lugar,
Onde nasci, me criei,
E dele tudo o que sei,
Aprendi-o no andar.

E se aqui desejo estar,
Onde primeiros passos dei,
Razão há porque fiquei:
Contributo à terra dar.

Ser maiato me contento,
Na obra do bem-estar.
Em me dar é meu intento.

Rebentos tenho a dar,
Ao bem-estar, contentamento,
Sou raiz presa no tempo.

À minha terra, meu berço.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O DISFARCE


Fui para a rua
Com minha alegria,
Diferente de mim,
Bem mascarado;
E no desfile, de fantasia;
Todo o mundo sorria,
Fantasiado.

E desfilei,
Mas não sabia,
Com quem eu ia de braço dado;
Que gesticulava com euforia
E era meu par
Bem disfarçado;

Foi tanta entrega à tradição,
Grande, o cortejo,
Ao povo se deu;
A caracterizar o bem e o mal,

Tudo foi graça de imitação,
Que a verdade da vida esqueceu;
O povo brincou ao carnaval.

José Faria

sábado, 5 de novembro de 2011

FALTA DE AMOR PELO PAÍS!




Eu já não posso mais conceber,
Ver tanta falta de amor pelo país;
Por falta de amor, está tudo a arder,
Há cada vez mais a fazer de raiz.

Não estamos todos a perceber,
Que o bem-estar e a felicidade,
Está no que temos que defender,
Da nossa terra, da prosperidade.

Se mais não dermos, há que zelar,
Quer por dever ou obrigação,
Do que é de todos a preservar,
Do nosso país, da nossa nação.

É o património, a nossa riqueza,
Que se destrói diariamente;
Por actos de crime ou de avareza,
Por tresloucada ganância de gente.

Anda tão carente a mentalidade
A cidadania, os valores de bem,
Que deixa pobre a comunidade
Maior património que a gente tem.
José Faria

SÔ PRAFÔR DEIXE ALGUMA COISINHA!






















Sô prafôr deixe alguma coisinha!
Há tantos anos lhe peço;
Vivo da sua esmolinha,
No Natal mais mereço.

Corro Santa Catarina,
Num caminhar de tropeço,
Deu-me o corpo esta sina;
Dê-me esmola que agradeço.

Já todo o Porto conheço,
Sabe Santa Catarina!
Toda a praça e capelinha...
 
Onde mais eu permaneço!
No Natal há mais bom senso;
Sô prafôr deixe alguma coisinha!

(Sobre um pedinte da Rua de
Santa Catarina, na cidade do Porto. Portugal)
José Faria

PARABÉNS!



Parabéns, parabéns, parabéns!
Que mais posso dizer se a ti quero:
Se és meu mundo, eu sou o que tens,
De ti e filhas amor espero.

E dos genros claro! Novos filhos!
Que nos vem a vida preencher,
E nos dar ocupação em novos trilhos,
Para ajudarmos e seu mundo a preencher.

Mas o que me vai na alma, me mágoa,
É andares de mim desigualada,
Seres Rosa, mulher, amor,
Também patroa!?
Dois anos de mim sempre atrasada.

E ainda bem amor que a sina tens,
De nosso núcleo seres pilar mais forte,
Por tudo isso te dou os parabéns:
És a alma da família e sua sorte.

José Faria                                 

AS PENAS DO TEMPORAL



Chorava o céu, ali, tão loucamente,
Por cima de plátanos sem cessar.
As lágrimas no chão eram torrente:
No jardim àquela hora a se inundar.

Do teto da cidade, bruscamente,
Teimosas vêm as bátegas a roncar
Com o vento que teimosamente
As trás no ar em força a baloiçar.

Morrendo ou dormitando, indiferente,
Sofrendo a invernia e a penar.
Num banco do jardim jaze presente,
Um corpo de mulher a delirar.

Solidária mão de passo urgente,
Não mais correu, quedou para prestar,
Ajuda àquela pomba tão sofrente;
Que o socorro médico fez chegar,

E dali a levou tão de repente.
De colete de forças, a estrebuchar,
Terá cuidados em lugar mais quente,
Longe do jardim a se inundar.
José Faria

NINFA


NINFA DOS CORAIS

Junto aos corais de cores sorrindo,
No fundo do sentir a ansiedade;
É Ninfa que entre eles está dormindo,
Sonhando fantasia e amizade.

Oscila a incerteza  e o mar cobrindo,
O despertar carente, intimidade;
No cimo as ondas estão sorrindo,
Em vagas de fantasia e de verdade.

Ergue-se a medo a força gigante,
No sentir passageiro de prazer,
Nos braços d'água do Adamastor.

Agita-se a deusa doce, ofegante,
Vai na maré que acontecer;
Embrulha-se nas brumas do amor.
José Faria

ESPALHAM-SE AS PALAVRAS

 
ESPALHAM-SE AS PALAVRAS

Rompeu da terra, um fio de cultura,
Regato de palavras que correndo;
É arte de comunicar bem mais madura,
É saber do porvir se promovendo.

Ansiando crescer em sã candura,
Frases e versos se vão lendo;
Deslizam da fonte que perdura,
E voltam à terra, não morrendo.

Espalham-se palavras, letras, poesia!
Aromáticas pétalas no ar que nos rodeia,
De origem d’alma e do pensamento.

Suaves, dóceis e de euforia,
São do poeta, são da veia;
Que as declama sem fingimento.

José Faria

sábado, 1 de outubro de 2011

DESABAFO

Nunca o medo em mim morou,
Nem o credo em mim suou,
Nem ideia manipulou,
Não de outro, de mim sou!
Não sirvo ideia que ventou,
Minha mente não furou.
Fique quem de min falou,
Que para si nunca olhou;
Nem tão pouco se julgou:
Do nada feito escapou,
Se o vazio lhe ficou,
Em nada participou,
Trabalho que censurou!
Sem lágrimas, como chorou?
Se com álcool soluçou,
A razão não encontrou,
Muito mais se chateou,
Não foi ele que falou!
Pois se a mente se esforçou,
E a razão não encontrou,
Muito mais se afundou.
E o juízo se afogou,
No líquido que encontrou
E nele se encharcou:
Destruição que lhe custou
O salário que ganhou.
E teso, teso ficou!
Em algo nunca acertou
Porque o vício não largou,
E seu caminho sempre errou!
Porque quis, pois se julgou,
Perto daquilo que sou,
E em caminho algum entrou.
Liberdade sua, embebedou!
Que para sempre o enganou,
E que revolta o ser que sou!
Caótico jamais estou,
No outorgar nunca errou,
Por outro ideal lutou,
Nesse óbice jamais estou,
Porque a chegar aqui custou!
Se sem sentido o cogitou
E se por nada se empolou,
Má ideia o baralhou:
Jamais correcto pensou.
Lutar o vício? - Não estou!
Cansado a força parou!
Não vêem quanto me dou?
Se a mentira abalroou,
A razão que me dotou,
E já que ninguém me escutou,
Jamais por aqui estou.
Se novos-ricos o frustou,
Sobre os quais acreditou,
Se na imprensa elogiou,
O que todo o cidadão aprovou,
Sociais normas que elevou,
Aquilo que somos e sou:
E se meia dúzia usurpou,
A verdade que falou,
Do colectivo onde estou...
Consciência vomitou,
Aquilo que eu era e sou.
P’ra quem sempre acreditou,
Na boa fé que o rodeou,
Quando novo espaço habitou,
Enganado se julgou!
Pois para todos trabalhou,
No servir que orientou,
Que a beleza ajardinou,
Que a natureza sempre amou!
E tudo se afundou,
Pois meia dúzia alienou,
Os valores que nos juntou!
A alma leve me ficou,
E o corpo força ganhou.
No passado já não estou;
Julgue-me quem se enganou!
Jamais o que vos era sou!
Jamais comigo alguém falou!
Jamais minha alma chorou!
Jamais do colectivo sou!
Pelo conformismo que assentou,
E nossos valores derrotou!
Jamais vossa célula sou!
Jamais! Jamais...
Adeus!
Eu me vou!..

 José Faria